sábado, 18 de dezembro de 2010

ARBOREA BLACK MOUNTAIN ROAD

dias vagos, sem fôlego. minutos funiculares, sem o compasso alado, fora do tempo. são demasiado silenciosos estes dias, um silêncio atonal. falta-me o céu irisado, a melodia das eiras que findou nos arrabaldes. oiço por fim a placidez inscrita nos sons da montanha.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

sábado, 6 de novembro de 2010

O sacristão Josué, Luze-cu seu sobrenome, às 6 da manhã já martelava os toscos compassos das partituras fingidas nos carrilhões da catedral. Nem escala, nem colcheias lhe sobraram da infância vivida entre cegonhas e badalos. Deitado na pedra e as mãos espalmadas, cantava no repicar dos sinos às terras do demo e punha os olhos em alcalá. Sabia distinguir de uma maneira ou de outra o trigo do joio, com a vista tão rasgada como tinha. Olhos de perdiz que viam o que se passava num raio de dez quilómetros.
A torre onde o dito sacristão vivia perfurava as nuvens com os seus duzentos pés de altitude, tão alta que de baixo não se lhe descobria o fim, um fim que parecia estar apagado pelo tecido da montanha. E do cimo, bem lá do cimo, vislumbrava-se a queda vertiginosa do céu ou da lua.


Breves sonos na aldeia sombria, de boca fechada à luz num bojo cinzento, como a densidade do nevoeiro em terras bretãs, porém os rostos sem luz, sem a profundidade de um segredo há muito desaparecido na regra universal, na risível lei moral, porque atribuída por uma população com menos de mil habitantes e um em cada metro quadrado a pensar nas léguas de Deus – sempre com a condição de ninguém ficar impune ao crime que cala e apaga o homem. Cada acto escondido entre paredes ou apagado pelo dízimo. Num dia compensava o crime, noutro acendiam-se círios perto do confessionário.

in "O Umbigo de Deus"


sábado, 30 de outubro de 2010

em ala riba estou sentado falando “ uâ lhengua” distante. é esta língua vaga e distante que se ouve numa voz franzina e escuta, como só ela sabe fazer, o apelo da terra. a mim resta-me ouvi-la numa procura incessante de semelhança, apelar ao mimetismo, a essa aptidão para captar a linguagem das coisas e dos seres. mas até eu já esqueci o que é agarrar um punhado de terra, caminhar entre silvedos e beber, com o joelho ileso no chão, um dedal de água que por ali passava. e por mais que coleccionasse cada momento o seu sentido excedia-me, porque a semelhança mata, aniquila e não nos revela o autêntico. é como a tragédia nos dita, um Édipo a desvendar o enigma da esfinge e o coro final a esmiuçar a treva do seu rosto e a cegueira que a verdade lhe esconjura. para o que não ama, o amor é uma língua bárbara, os sentidos vigiam inexpressivos na escuridão mais densa. por isso a palavra é pequena demais, mero reflexo metamorfoseado da verdade, mas esta língua está tão próxima do centro, que vê como o olho de lince, a semente e o fruto.

Domenico Scarlatti - Sinfonia en ut majeur (allegrissimo)

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

tartufos lusitanos que sempre nos abastardaram. chamavam-nos galegos, por estas bandas, e nós guapitos, mais próximos de Zamora e Salamanca fomos namoriscando o hermano. e quando por falta de dobrão caminhámos até à lezíria e à planície mais mourisca, abastardaram-nos outra vez e passaram a chamar-nos como nos conta Alves Redol, “gaibéus”, gente vinda da giesta de pedra e do interior do serro. cantamos com os lobos no meio das fragas, passamos sal nas encruzilhadas e ainda rezamos o terço. foi nessa caminhada que perdemos a orientação do mundo, que se emudeceram as palavras iguais à cinza e é essa a nossa fatalidade - a moïra - de um último adeus no esquecimento da nossa boca.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010




http://news.maxima.xl.pt/?s=11&n=28507&nivel=3
Sofia Amaro premiada

Revista Máxima


O livro O Umbigo de Deus, da autora Sofia Amaro, recebeu a Menção Honrosa do Prémio Alves Redol 2009, depois de esta ter sido galardoada com a Menção Honrosa do Prémio Manuel Teixeira Gomes 2008.

Do júri fizeram parte o vice-presidente da Associação de Críticos Literários Manuel Amador Frias Martins, o escritor Miguel Real e Vítor Agostinho de Figeiredo, em representação da divisão de bibliotecas de Vila Franca de Xira.

A temática da história gira em torno da fragilidade do ser humano e de um limbo natural entre a metafísica e o regresso ao que é físico representado pelo Umbigo de Deus.


http://www.pnetliteratura.pt/cronica.asp?id=1134

Sofia Amaro
[24-08-2009] Luís Carmelo
1- No mundo tecnológico e instantanista em que vivemos, crê que a literatura, tal como a aprendemos a significar pelo menos desde o Iluminismo, ainda tem sentido?

Sim, a literatura terá sempre um lugar cativo mesmo perante a nossa herança histórica, embora as novas tecnologias tentem abrir novos caminhos à criação literária, possibilitando uma interacção com o leitor ou mesmo uma inclusão de outros elementos. A literatura neste mundo tecnológico traduz-se num certo desconstrucionismo e na dissolução do carácter linear do texto, mas no entanto penso que o livro em suporte papel nunca será substituído.

2- Qual foi o último acontecimento literário, independentemente da sua natureza, que mais lhe tocou? Porquê?

Foi A Estrada de Cormac McCarthy. Desvela-nos cruamente o instinto de sobrevivência de um pai e filho num mundo completamente devastado. É um mundo apocalíptico que provoca uma meditação sobre a finitude humana. Uma história de sobreviventes num mundo caótico e indigente.

3- Fale-nos resumidamente do seu último livro, como se estivesse a revê-lo em voz alta para um grupo de amigos.

O Umbigo de Deus retrata um norte longínquo, mais propriamente Trás-os-Montes, onde as faldas da montanha escondem a fragilidade do homem. Narra através das suas personagens essa proximidade inevitável entre o homem e a montanha, esse limbo que existe entre a metafísica e o retorno ao que é físico.

4- Pensa que a literatura e a rede poderão vir a ter, de algum modo, um destino comum?

Mesmo que a literatura continue a ser esse espaço comum e tantas vezes passional, onde o homem se detém e onde o tempo se eterniza, nesta sociedade em que o segundo urge e a velocidade de ução se exige, é-nos exigido também um controle absoluto da temporalidade e aí a literatura e a rede conferem a possibilidade de dar uma resposta imediata e heterogénea à imagem de um mundo globalizante.

5- Refira dois autores e duas obras que o tenham marcado na sua carreira.

As Ondas de Virgínia Woolf e O Aleph de Jorge Luis Borges.



http://novoslivros.blogspot.com/search?q=sandra+amaro

1- O que representa, no contexto da sua obra, o livro «O Umbigo de Deus»?
R-No contexto da minha obra O Umbigo de Deus representa um marco muito importante, pois concretizei um sonho que me seguia por todo o lado como se fosse de certo modo o meu alter-ego. Revela também, de certa forma, o meu universo onde a história e as personagens são ao tempo humanizantes e labirínticas, oriundas desse norte montanhoso de beleza etérea, misto de tristeza e esperança.

2- Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R-O Umbigo de Deus é um fragmento de um norte longínquo onde as montanhas escondem nas suas histórias e personagens o quanto frágil e indecifrável é o ser humano. Através do olhar cândido de Beatriz e da mudez de menina-sem-nome, sua filha, criada à imagem do primeiro homem, sem umbigo e sem verbo, vemos traduzidos os costumes e os dogmas de Bal Antenado. Um vale escondido entre as faldas da montanha, onde a noite é constante e a sombra alimento dos aldeões.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Estou a escrever um romance em torno de um homem que investiga o desaparecimento da sua irmã e a fotografia. A fotografia que é premissa ao mesmo tempo perceptiva e mnemónica do sujeito com que com ela se defronta. Esse desaparecimento vai ser revelado através da fotografia que mostra através do visível e do conhecido o invisível.
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Sandra Amaro
O Umbigo de Deus
Colibri




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Lembra o frio da montanha e um manto quente a perder de vista, lembra um conto de fadas, um rito pagão e o canto de Deus, lembra o Bal de Antenado.
Num nó de 120 km de acidente geográfico, entre a meseta castelhana e as terras de Trás-os-Montes, assomava denso e velado este Bal de Antenado. Onde a terra prolonga o planalto de pedra e ouro com a crina do céu suspensa sob ela, rebentando aqui e ali os serros de punho fechado. Tão fechados como a turgidez de um seio. Era aí nessa elipse de terra que ficava o vale afortunado.

Para lá do vale e da serrania, searas infindas expressavam um sorriso ou uma lágrima com a dança de uma nova espiga, que nascia e morria sob a planura das nuvens. Espiga que era sulcada pelos vales do rio Angueira, correndo em ala irmana, e pela ribeira das Turtulhas, com a sua pequena corrente a atravessar a lisura planáltica.
O recuo do horizonte remoto, quedo entre dois escarpados curvos como a lâmina de uma calagouça, afastava a doce espiga e escondia aqui o vale da sombra. Um vale inquietante e agreste, onde o único brilho decifrável cabia a alguns relevos quartzíferos. O resto, as poeiras, as pedras, as gentes eram negros: redutos num cativeiro de pedra prolongado até à arriba. Arriba que desafiava, liberta, o vento e o astro. No entanto, ali nunca amanheceu o alvor, e a sombra constante teimava em estorvar o povo também ele nubiloso de ideias.

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Por Toledo lhe assistiam os medronheiros do Norte de África na rota dos curandeiros. Com Cadundo ou erva de Benguela, segundo a lábia lusitana, limpava gangrenas e furúnculos, aclarava pulmões ou iludia enxaquecas. E logo menina-sem-nome lhe obrigou a colocar os dedos no umbigo, que se abria fundo no ventre. Abria o mundo em dois e sentia-se muito próxima, próxima de não sei o quê. Esse não sei quê que a Serolho lhe segredava todas as noites e lhe ensinava na malhada dos dias.
Apareceu-lhe a seus olhos a mãe, liberta e curvada sob ela, com a extremidade dos lábios tocando o umbigo crescente. Um fio de luz contornava-lhe a pele tisnada, parecia uma pequena estrela em cadência no seu ventre. Um bago de cristal pequeno como uma cereja, brilhante como uma estrela-do-mar. Cantava baixinho a dança da Murinheira e, enquanto se ouvia a cegarrega do grilo, limpava-lhe o tremedouro com a voz da doçura.
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in O Umbigo de Deus

sábado, 14 de agosto de 2010










A BD que se faz por cá

João Miguel Tavares

Beraca, assinado por Sandra Amaro e Pedro Brito, é, de entre as novas edições, o caso mais curioso e aquele que procura com mais afinco desbravar novos caminhos, tanto ao nível da forma como do conteúdo. Por um lado, o desenho de Pedro Brito continua a exibir a segurança que há muito se lhe reconhece, encontrando espaço para a experimentação - o caso mais evidente é o da textura «real» dos vestidos das personagens - sem necessidade de romper com o seu estilo. Por outro, voltamos a sentir nos seus livros - já acontecia em Tu És a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos, parceria com João Fazenda - uma consciência profunda de que a qualidade de uma BD se joga na ligação entre textos e desenhos. Sendo Beraca uma obra com reminiscências medievais, encontramos ecos da iconografia dessa época numa série de pranchas elaboradas como se fossem retábulos, iluminuras ou ex-votos.

Ao mesmo tempo, Sandra Amaro apostou, com algum virtuosismo, numa linguagem datada, que embora nos dificulte a leitura confere à história uma espessura que de outro modo ela não teria. Mas que história é essa? À superfície, a história de Beraca, terra rica que acaba destruída pela ambição de dois militares desavindos. Em profundidade, uma curiosa reflexão sobre a violência do mundo, a autofagia humana, o fim da infância e a fé.

Copyright: © 2002 Diário de Notícias; João Miguel Tavares




A ESTRELA DE GASPAR é uma média-metragem de 24 minutos, produzida pela Animanostra. O argumento e guião são de Humberto Santana e de Sandra Sofia Amaro e a realização é de Pedro Brito e Humberto Santana.

Gaspar é o único menino de uma pequena aldeia perdida entre a serraPor causa das maldades de uma bruxa que detesta o Natal e as crianças, Gaspar é o único menino de uma pequena aldeia perdida entre a serra. Mas o destino reservava ao pequeno herói a missão de trazer de volta a alegria ao povo da aldeia e, graças a uma pedra mágica, Gaspar acaba com a tirania da feiticeira.

Uma espectacular animação portuguesa. Uma história passada numa aldeia portuguesa cantada por Teresa Salgueiro

http://www.youtube.com/watch?v=Kf6swYwEFuU&feature=related\