segunda-feira, 6 de setembro de 2010




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Sofia Amaro premiada

Revista Máxima


O livro O Umbigo de Deus, da autora Sofia Amaro, recebeu a Menção Honrosa do Prémio Alves Redol 2009, depois de esta ter sido galardoada com a Menção Honrosa do Prémio Manuel Teixeira Gomes 2008.

Do júri fizeram parte o vice-presidente da Associação de Críticos Literários Manuel Amador Frias Martins, o escritor Miguel Real e Vítor Agostinho de Figeiredo, em representação da divisão de bibliotecas de Vila Franca de Xira.

A temática da história gira em torno da fragilidade do ser humano e de um limbo natural entre a metafísica e o regresso ao que é físico representado pelo Umbigo de Deus.


http://www.pnetliteratura.pt/cronica.asp?id=1134

Sofia Amaro
[24-08-2009] Luís Carmelo
1- No mundo tecnológico e instantanista em que vivemos, crê que a literatura, tal como a aprendemos a significar pelo menos desde o Iluminismo, ainda tem sentido?

Sim, a literatura terá sempre um lugar cativo mesmo perante a nossa herança histórica, embora as novas tecnologias tentem abrir novos caminhos à criação literária, possibilitando uma interacção com o leitor ou mesmo uma inclusão de outros elementos. A literatura neste mundo tecnológico traduz-se num certo desconstrucionismo e na dissolução do carácter linear do texto, mas no entanto penso que o livro em suporte papel nunca será substituído.

2- Qual foi o último acontecimento literário, independentemente da sua natureza, que mais lhe tocou? Porquê?

Foi A Estrada de Cormac McCarthy. Desvela-nos cruamente o instinto de sobrevivência de um pai e filho num mundo completamente devastado. É um mundo apocalíptico que provoca uma meditação sobre a finitude humana. Uma história de sobreviventes num mundo caótico e indigente.

3- Fale-nos resumidamente do seu último livro, como se estivesse a revê-lo em voz alta para um grupo de amigos.

O Umbigo de Deus retrata um norte longínquo, mais propriamente Trás-os-Montes, onde as faldas da montanha escondem a fragilidade do homem. Narra através das suas personagens essa proximidade inevitável entre o homem e a montanha, esse limbo que existe entre a metafísica e o retorno ao que é físico.

4- Pensa que a literatura e a rede poderão vir a ter, de algum modo, um destino comum?

Mesmo que a literatura continue a ser esse espaço comum e tantas vezes passional, onde o homem se detém e onde o tempo se eterniza, nesta sociedade em que o segundo urge e a velocidade de ução se exige, é-nos exigido também um controle absoluto da temporalidade e aí a literatura e a rede conferem a possibilidade de dar uma resposta imediata e heterogénea à imagem de um mundo globalizante.

5- Refira dois autores e duas obras que o tenham marcado na sua carreira.

As Ondas de Virgínia Woolf e O Aleph de Jorge Luis Borges.



http://novoslivros.blogspot.com/search?q=sandra+amaro

1- O que representa, no contexto da sua obra, o livro «O Umbigo de Deus»?
R-No contexto da minha obra O Umbigo de Deus representa um marco muito importante, pois concretizei um sonho que me seguia por todo o lado como se fosse de certo modo o meu alter-ego. Revela também, de certa forma, o meu universo onde a história e as personagens são ao tempo humanizantes e labirínticas, oriundas desse norte montanhoso de beleza etérea, misto de tristeza e esperança.

2- Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R-O Umbigo de Deus é um fragmento de um norte longínquo onde as montanhas escondem nas suas histórias e personagens o quanto frágil e indecifrável é o ser humano. Através do olhar cândido de Beatriz e da mudez de menina-sem-nome, sua filha, criada à imagem do primeiro homem, sem umbigo e sem verbo, vemos traduzidos os costumes e os dogmas de Bal Antenado. Um vale escondido entre as faldas da montanha, onde a noite é constante e a sombra alimento dos aldeões.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Estou a escrever um romance em torno de um homem que investiga o desaparecimento da sua irmã e a fotografia. A fotografia que é premissa ao mesmo tempo perceptiva e mnemónica do sujeito com que com ela se defronta. Esse desaparecimento vai ser revelado através da fotografia que mostra através do visível e do conhecido o invisível.
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Sandra Amaro
O Umbigo de Deus
Colibri




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Lembra o frio da montanha e um manto quente a perder de vista, lembra um conto de fadas, um rito pagão e o canto de Deus, lembra o Bal de Antenado.
Num nó de 120 km de acidente geográfico, entre a meseta castelhana e as terras de Trás-os-Montes, assomava denso e velado este Bal de Antenado. Onde a terra prolonga o planalto de pedra e ouro com a crina do céu suspensa sob ela, rebentando aqui e ali os serros de punho fechado. Tão fechados como a turgidez de um seio. Era aí nessa elipse de terra que ficava o vale afortunado.

Para lá do vale e da serrania, searas infindas expressavam um sorriso ou uma lágrima com a dança de uma nova espiga, que nascia e morria sob a planura das nuvens. Espiga que era sulcada pelos vales do rio Angueira, correndo em ala irmana, e pela ribeira das Turtulhas, com a sua pequena corrente a atravessar a lisura planáltica.
O recuo do horizonte remoto, quedo entre dois escarpados curvos como a lâmina de uma calagouça, afastava a doce espiga e escondia aqui o vale da sombra. Um vale inquietante e agreste, onde o único brilho decifrável cabia a alguns relevos quartzíferos. O resto, as poeiras, as pedras, as gentes eram negros: redutos num cativeiro de pedra prolongado até à arriba. Arriba que desafiava, liberta, o vento e o astro. No entanto, ali nunca amanheceu o alvor, e a sombra constante teimava em estorvar o povo também ele nubiloso de ideias.

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Por Toledo lhe assistiam os medronheiros do Norte de África na rota dos curandeiros. Com Cadundo ou erva de Benguela, segundo a lábia lusitana, limpava gangrenas e furúnculos, aclarava pulmões ou iludia enxaquecas. E logo menina-sem-nome lhe obrigou a colocar os dedos no umbigo, que se abria fundo no ventre. Abria o mundo em dois e sentia-se muito próxima, próxima de não sei o quê. Esse não sei quê que a Serolho lhe segredava todas as noites e lhe ensinava na malhada dos dias.
Apareceu-lhe a seus olhos a mãe, liberta e curvada sob ela, com a extremidade dos lábios tocando o umbigo crescente. Um fio de luz contornava-lhe a pele tisnada, parecia uma pequena estrela em cadência no seu ventre. Um bago de cristal pequeno como uma cereja, brilhante como uma estrela-do-mar. Cantava baixinho a dança da Murinheira e, enquanto se ouvia a cegarrega do grilo, limpava-lhe o tremedouro com a voz da doçura.
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in O Umbigo de Deus