sábado, 14 de agosto de 2010










A BD que se faz por cá

João Miguel Tavares

Beraca, assinado por Sandra Amaro e Pedro Brito, é, de entre as novas edições, o caso mais curioso e aquele que procura com mais afinco desbravar novos caminhos, tanto ao nível da forma como do conteúdo. Por um lado, o desenho de Pedro Brito continua a exibir a segurança que há muito se lhe reconhece, encontrando espaço para a experimentação - o caso mais evidente é o da textura «real» dos vestidos das personagens - sem necessidade de romper com o seu estilo. Por outro, voltamos a sentir nos seus livros - já acontecia em Tu És a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos, parceria com João Fazenda - uma consciência profunda de que a qualidade de uma BD se joga na ligação entre textos e desenhos. Sendo Beraca uma obra com reminiscências medievais, encontramos ecos da iconografia dessa época numa série de pranchas elaboradas como se fossem retábulos, iluminuras ou ex-votos.

Ao mesmo tempo, Sandra Amaro apostou, com algum virtuosismo, numa linguagem datada, que embora nos dificulte a leitura confere à história uma espessura que de outro modo ela não teria. Mas que história é essa? À superfície, a história de Beraca, terra rica que acaba destruída pela ambição de dois militares desavindos. Em profundidade, uma curiosa reflexão sobre a violência do mundo, a autofagia humana, o fim da infância e a fé.

Copyright: © 2002 Diário de Notícias; João Miguel Tavares

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